* Sheila Sacks
Em Dubrovnik, no
sul do país, casa de orações resistiu ao terremoto de 1667, a dois conflitos
mundiais e à guerra na Croácia nos anos 1990
Em
meio a lojas de comestíveis, quinquilharias e souvenires em uma das muitas ruelas tomadas por escadarias que levam as
partes mais altas da cidade velha de Dubrovnik, uma porta de carvalho se abre
para a mais antiga sinagoga sefardita da Europa, provavelmente estabelecida em
1352 e reconhecida legalmente em 1408.
O
estreito sobrado de pedra situado na Ulica
Zudioska (rua dos judeus) nº 5, abriga na parte de cima uma pequena sala de
orações e no andar inferior um espaço com alguns objetos religiosos. Uma
senhora cobra 25 kunas (em torno de 12 reais) pelo ingresso e avisa que estão
proibidas fotos no local.
No
interior da sinagoga, pesados móveis de madeira escura e ornamentos de prata
abarrotam o recinto. Um banco de madeira contorna a sala onde alguns turistas suados,
de bermudão e sandálias, aproveitam o sossego do lugar para tirar um cochilo,
falar ao celular ou simplesmente recuperar o fôlego de suas andanças pela
antiga Dubrovnik, declarada Patrimônio Mundial da Unesco em 1979 (a moderna
Dubrovnik tem 43 mil habitantes).
Gueto é estabelecido em 1546
Os
historiadores contam que há registros da presença de um médico judeu contratado
pela administração da cidade em 1326 e de comerciantes itinerantes em
1368. A comunidade judaica local teve um
aumento significativo com a chegada dos judeus em fuga da Espanha e de
Portugal, no final do século 15, muito deles a caminho da Turquia, mas que
acabaram se instalando em Dubrovnik.
Em
1546, as autoridades permitiram o assentamento dos judeus no extremo noroeste
da cidade, estabelecendo o gueto na Ulica
Zudioska com um pórtico que o separava das demais moradias. Em 1667, um
terremoto de graves proporções atingiu Dubrovnik destruindo grande parte de
seus prédios. A sinagoga afetada pela catástrofe também precisou ser
restaurada.
Durante a 2ª Grande Guerra, a Croácia estabeleceu um
estado independente pró-nazista que abrangia as regiões onde hoje ficam as
repúblicas da Bósnia e parte da Sérvia. Quarenta mil judeus viviam nesse
conglomerado, e após a guerra restou apenas nove mil, sendo que três mil foram
enviados para Auschwitz.
Sinagoga bombardeada
Durante
o conflito que envolveu croatas e sérvios (1991/1992), Dubrovnik foi cercada e
a sinagoga teve suas janelas e telhados destruídos pela ação de foguetes e
granadas. O prédio também sofreu abalo em sua estrutura e parte do acervo foi transferida
para os Estados Unidos. Em 1998, com a sinagoga já recuperada através da “Rebuild
Dubrovnik Foundation”, de Washington, uma decisão judicial da suprema corte de
Nova York determinou que os objetos fossem devolvidos, dentre eles uma Torá
originária da Península Ibérica e um tapete árabe ofertado pela rainha Isabel
da Espanha ao seu médico judeu, ambos do século 13.
Uma
questão delicada que divide opiniões, já que muitas organizações judaicas temem
o desaparecimento de peças históricas face a sua exposição continuada e à
progressiva marcha de assimilação dessas comunidades. Por outro lado,
estudiosos que se dedicam ao registro das comunidades judaicas da Idade Média
na Europa central e oriental argumentam que a transferência dos objetos
religiosos para os EUA e Israel contribui para a total extinção dessas
comunidades, afastando-as de seu passado e negando-lhes um possível futuro.
Memória viva
Atualmente
vivem 30 judeus em Dubrovnik, ainda que o censo oficial de 2001 só registre 17.
O censo também listou 495 judeus em toda a Croácia que no início da década de
1940 somavam 25 mil. O esloveno Boris Pahor, de 100 anos, sobrevivente do
Holocausto e autor do livro “Necrópole”, observa que a preservação de locais
que representam momentos da história de um povo tem a valia de “dar
continuidade à presença dos mortos no mundo dos vivos”.
Mas,
Pahor também externa sua preocupação quanto aos sentimentos e as imagens que
possam surgir nas mentes dos turistas que seguem o guia em suas explicações.
Isso porque, em 1994, a partir de uma visita ao campo de concentração onde foi
prisioneiro dos nazistas, o autor notou a falta de “familiaridade” e talvez até
de consciência dos visitantes quanto ao grau de degradação e de infâmia a que
foram submetidos, sem piedade, milhões de seres humanos.
No
caso da pequena sinagoga de Dubrovnik, a inquietação também é válida, porém mantê-la
aberta aos turistas em geral, mesmo sem a presença cotidiana de judeus e dos ofícios
religiosos, garante a sua sobrevida e principalmente mantém o seu passado e a
sua história presentes. Em 2003, o então presidente de Israel Moshe Katsav em
visita à Croácia conheceu a sinagoga. Desde então, com o incentivo do governo
croata, voos fretados de Israel para Dubrovnik trazem em média 250 turistas
semanalmente à cidade nas temporadas de verão.
* Sheila
Sacks é jornalista
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