Os conceitos emitidos nas matérias assinadas não representam necessariamente a opinião da editoria, sendo de exclusiva responsabilidade de seus autores. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução de publicações sem o consetimento prévio da editoria.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Quando escuto Moisés

* Danielle Goldrajch

A festividade de Pessach rememora a passagem da escravidão à liberdade. Figura central na história contada e recontada é a de Moisés. O que fez Moisés capaz de romper com a submissão à escravidão que ofuscou o Povo Judeu? O que o fez capaz de se diferenciar e transformar a história do seu povo? O bebê Moisés foi encontrado nas águas do rio Nilo. Conseguiu fugir ao destino imposto pelo faraó aos bebês hebreus do sexo masculino. Flutuando em seu cesto protetor, foi encontrado pela filha do Faraó e, com o auxílio da irmã Miriam, foi acalentado e amamentado pela sua própria mãe, mas criado pela princesa Termutis.

Hoje se poderia dizer que Moisés foi adotado. Longe de sua origem biológica, mas vinculado pelo afeto, foi criado entre mimos, luxo e fartura na corte faraônica.  Dizem alguns que ele chegou a ser general do exército do Egito, vencendo os etíopes ao escolher o caminho mais difícil e surpreendê-los. Ao longo de seu desenvolvimento, podemos supor que construiu uma imagem de si mesmo como pessoa valiosa, competente e, principalmente, livre. Segundo os escritos, em algum momento de sua vida, a irmã Miriam, revela sua origem hebreia. Outras interpretações dizem que, como foi amamentado pela mãe biológica e as crianças eram amamentadas por muitos anos, deve ter tido ensinamentos judaicos em tenra idade.

Seja pela revelação tardia, seja por um acesso ao conhecimento remoto, em determinado momento do amadurecimento de Moisés, ele se reconhece pertencente ao povo escravo e, ao mesmo tempo, um homem livre. É nesse momento que se forma a semente da futura liberdade dos judeus. Moisés, o homem forte, corajoso, competente e livre descobre que é hebreu e que os hebreus são escravos. Como podem conviver a ideia de competência, autonomia e liberdade com a vivência da humilhante subordinação escrava?
É quando surge uma via alternativa – a mesma que o teria feito vencer os etíopes - a via mais difícil de ser caminhada. A via inovadora: a integração de sua história através da luta pela sua plena liberdade.

O que diferencia Moisés e o fez capaz de escutar o chamamento interno e externo de Deus, é sua alma fertilizada pela vivência da autonomia e da liberdade. Ao mesmo tempo, sabe-se hebreu. Um hebreu que recebeu o afeto e o acolhimento de sua mãe adotiva egípcia. Quando convocado a ver a Sarça Ardente, ardiam suas emoções. Sua identidade estava em transformação, ao agregar sua vivência em meio à corte e sua identidade como hebreu. Não conseguia mais conceber a si mesmo como livre se não ampliasse a liberdade. E, como líder que era, para manter sua própria liberdade, precisava libertar o povo do qual, agora, realizou que fazia parte.

Nascia o grande líder de nosso povo e da liberdade. Seja através de milagrosos feitos, seja através de conhecimentos que o permitiram suplantar a resistência egípcia de perder seus escravos, ou através de ambos, lá foi Moisés. Com o cajado na mão e incansável determinação, só sossegou quando reconduziu seu povo a Canaã.
Fica a reflexão para esse período tão especial. Conhecer e reconhecer nossa quase infinita coleção de vivências e conseguir que as referências de força, competência, aceitação, amor e liberdade que possamos encontrar dentro de nós, suplantem quaisquer tendências à submissão e à escravidão nossa ou de nossos semelhantes.

Pessach é um convite para escutarmos a história de Moisés e, quem sabe, avistar a Sarça Ardente: esse fogo regenerador que conduz a vida cotidiana a um novo e mais amplo patamar de existência.

* Danielle Goldrajch é psicóloga

Nenhum comentário:

Postar um comentário