* Danielle Goldrajch
Hoje se
poderia dizer que Moisés foi adotado. Longe de sua origem biológica, mas
vinculado pelo afeto, foi criado entre mimos, luxo e fartura na corte
faraônica. Dizem alguns que ele chegou a
ser general do exército do Egito, vencendo os etíopes ao escolher o caminho
mais difícil e surpreendê-los. Ao longo de
seu desenvolvimento, podemos supor que construiu uma imagem de si mesmo como
pessoa valiosa, competente e, principalmente, livre. Segundo os
escritos, em algum momento de sua vida, a irmã Miriam, revela sua origem
hebreia. Outras interpretações dizem que, como foi amamentado pela mãe
biológica e as crianças eram amamentadas por muitos anos, deve ter tido
ensinamentos judaicos em tenra idade.
Seja pela
revelação tardia, seja por um acesso ao conhecimento remoto, em determinado momento
do amadurecimento de Moisés, ele se reconhece pertencente ao povo escravo e, ao
mesmo tempo, um homem livre. É nesse momento que se forma a semente da futura
liberdade dos judeus. Moisés, o homem forte, corajoso, competente e livre
descobre que é hebreu e que os hebreus são escravos. Como podem
conviver a ideia de competência, autonomia e liberdade com a vivência da
humilhante subordinação escrava?
É quando
surge uma via alternativa – a mesma que o teria feito vencer os etíopes - a via
mais difícil de ser caminhada. A via inovadora: a integração de sua história
através da luta pela sua plena liberdade.
O que
diferencia Moisés e o fez capaz de escutar o chamamento interno e externo de
Deus, é sua alma fertilizada pela vivência da autonomia e da liberdade. Ao
mesmo tempo, sabe-se hebreu. Um hebreu que recebeu o afeto e o acolhimento de
sua mãe adotiva egípcia. Quando
convocado a ver a Sarça Ardente, ardiam suas emoções. Sua identidade estava em
transformação, ao agregar sua vivência em meio à corte e sua identidade como
hebreu. Não conseguia mais conceber a si mesmo como livre se não ampliasse a
liberdade. E, como líder que era, para manter sua própria liberdade, precisava
libertar o povo do qual, agora, realizou que fazia parte.
Nascia o
grande líder de nosso povo e da liberdade. Seja através de milagrosos feitos,
seja através de conhecimentos que o permitiram suplantar a resistência egípcia de
perder seus escravos, ou através de ambos, lá foi Moisés. Com o cajado na mão e
incansável determinação, só sossegou quando reconduziu seu povo a Canaã.
Fica a
reflexão para esse período tão especial. Conhecer e reconhecer nossa quase
infinita coleção de vivências e conseguir que as referências de força, competência,
aceitação, amor e liberdade que possamos encontrar dentro de nós, suplantem
quaisquer tendências à submissão e à escravidão nossa ou de nossos semelhantes.
Pessach é um
convite para escutarmos a história de Moisés e, quem sabe, avistar a Sarça
Ardente: esse fogo regenerador que conduz a vida cotidiana a um novo e mais
amplo patamar de existência.
* Danielle Goldrajch é psicóloga

Nenhum comentário:
Postar um comentário